Autores discutem porque é que os escritores são mais importantes que os políticos
No terceiro dia do Rota das Letras, quatro escritores de Portugal, Hong Kong, China e Macau foram desafiados a pronunciar-se sobre se a escrita hoje em dia ainda pode ser uma arma política.
O jornalista e autor de best-sellers José Rodrigues dos Santos, que escreveu entre outros livros, “A Fúria Divina”, que aborda o Islamismo e o extremismo, não tem dúvidas de que “toda a arte é de certa forma política, e de que toda a arte tem de ter um sentido,” defende.
Rodrigues dos Santos, um repórter experiente que cobriu várias áreas de guerra, do Iraque à Líbia, afirma que se sente “mais verdadeiro quando escreve um romance”, uma vez que não está limitado pelos códigos jornalísticos de construção de notícias. “A ficção é uma arma muito poderosa para dizer a verdade,” diz Rodrigues dos Santos e adianta que “escrever tem a ver com liberdade, e tem de se escrever ideias politicamente incorrectas para se fazer avançar a humanidade.”
O autor chinês Jimmy Qi concordou e sublinhou que o escritor “pode ser muito politizado, mas não é um político.” Qi vai mais longe ao afirmar que os escritores são na verdade mais importantes que os políticos já que as palavras dos primeiros resistem à passagem tempo. “Se não fosse a bíblia, o que seria de Deus? E (sem a escrita) o que seria de Confúcio?” afirmou.
Neste sentido, o escritor e artista de Macau António Conceição Júnior, que recentemente publicou o livro “Conversas do Chá e do Café”, afirmou que “as palavras são sagradas e quando beneficiamos do conhecimento de alguém, estamos a reviver a experiência dos autores e a beneficiar dela.” Conceição Júnior considera por isso o homem um animal político, que deve agir politicamente. “Não concebo a ideia da arte pela arte. Ela serve sempre um propósito. O autor tem um objectivo preciso, que lhe dá a ânsia de escrever, de comunicar,” adiantou.
O debate foi concluído com o testemunho emocionante de Marvin Farkas, uma americano que vive em Hong Kong desde 1954. Este autor dos sete ofícios foi uma estrela da Broadway, antes de ir para Hong Kong onde entrou na indústria cinematográfica e trabalhou com figuras como Orson Wells. Mais tarde tornou-se jornalista cobrindo toda a região, incluindo a Guerra do Vietname durante 12 anos. “Comecei a fazer livros aos 77 anos, por isso posso dizer o que quero,” afirmou durante a apresentação do seu livro de memórias “An Eastern Saga”.
A tarde de terça-feira foi dedicada ao tema “Tradução: limites e possibilidades.” O académico Yao Jin Ming, ele próprio poeta e tradutor chinês do poeta português Eugénio de Andrade, disse que antes do acto de traduzir, os tradutores têm de se apaixonar pela obra. “É um processo de amor, senão a tradução torna-se um pesadelo, ” acrescentou.
O prestigiado escritor Su Tong, autor de “Arroz”, “A minha vida como imperador,” e “Esposas e Concubinas”, com muitos dos seus livros traduzidos em diferentes línguas, descreveu o tradutor como “um amigo.” “Se não entendo uma língua estrangeira, tenho de ter um tradutor. Ele é por isso mesmo um amigo que deve ter o respeito dos escritores,” disse Su Tong.
O escritor José Luis Peixoto, um dos mais traduzidos autores portugueses, em mais de 20 idiomas, alertou para os riscos de distorção do trabalho original que a tradução pode causar. Mas estas mudanças podem também funcionar a favor de alguns livros. “Li o Paulo Coelho e não fiquei impressionado. Mas as pessoas dizem-me que os livros dele em francês são muito bons,” ironizou.
O director do Instituto Português do Oriente, Rui Rocha também teve a oportunidade de se pronunciar sobre a política linguística de Macau depois da transição. Rocha explicou que apesar do estatuto oficial bilingue do território, a realidade mostra que o português não é obrigatório nas escolas chinesas e que a aprendizagem do mandarim também é problemática nas escolas portuguesas. “Este é o estado das coisas,” concluiu.
No terceiro dia de festival, exibiram-se também dois documentários dedicados à saga dos emigrantes chineses no mundo.
A jornalista e realizadora moçambicana Yara Costa apresentou “Porquê Aqui? Histórias de chineses em África,” filmado na ilha de Moçambique, no Gana e no Lesoto, que revela as relações e tensões entre os imigrantes chineses e as populações locais.
O realizador Ivo Ferreira apresentou por seu turno o documentário “Vai com o Vento”, um trabalho sobre os dilemas dos imigrantes chineses em Portugal e Espanha e a terra que deixaram para trás.
A fechar o dia, a prestigiada fadista portuguesa Aldina Duarte deu um concerto na Universidade de Macau, prestando assim uma homenagem ao fado que recentemente foi reconhecido pela UNESCO como património intangível da humanidade.